Feliz no jogo, infeliz no amor. Este é um dos ditados mais conhecidos no mundo. No entanto, eu conseguia contradizê-lo. Nem amor, nem dinheiro, nem amigos, nem nada que pudesse justificar um pouco a minha existência. Eu já estava chegando ao ponto de comprar o jornal só para ler o horóscopo com algumas palavras que amenizassem a minha angústia. Claro que tinha muito de emocional naquilo tudo, mas eu não conseguia distinguir o que vinha de dentro e o que realmente era obra do azar.
Um dia, caminhava sem rumo, quando topei com uma cigana que pediu para ler a minha mão. Eu disse que não tinha dinheiro, mas ela insistiu, mesmo assim. Pegou a minha mão direita e, ao deparar-se com a palma, deu um grito horroroso. Passado o susto maior, a mulher virou-se para mim e, ainda espantada, falou:
-Meu filho, sinto lhe dizer, mas você não terá mais do que um ano de vida.
-Como?! A senhora tem certeza disso?
-Absoluta. E, infelizmente, será um fim trágico.
Entrei em parafuso. Será que aquela mulher tinha mesmo a capacidade de prever o destino das pessoas? Será que não bastava a minha história infeliz, cheia de insucessos? Depois daquilo, a cigana fez mais meia dúzia de comentários, que me pareceram pertinentes, e foi embora.
Imagine você: uma pessoa que se sentia um zero à esquerda, agora com a certeza de que, em breve, nem isso seria mais. Fiquei pensando que espécie de injustiça era aquela e de onde vinha. Pensei, pensei e, de tanto pensar, cheguei à conclusão de que não tinha mais nada a perder. E, se não tinha mais nada a perder, por que não fazer tudo que ainda me era possível? Comecei a mudar a minha personalidade. Passei a ser o dom Juan das festas, a puxar papo na esquina, a me integrar, nem que fosse dando chute em pit bull, para depois contar para os conhecidos. Passei a tomar drinks e a virar noites. Joguei no bicho e acertei no milhar. Xinguei os inimigos e lavei a alma. Eu ia morrer, mas estava realizado.
Os dias passavam, os meses passavam e, quando percebi, já havia passado mais de um ano, desde aquele fatídico encontro com a cigana. Não estava doente. Pelo contrário, nunca havia me sentido tão bem na vida. Até dinheiro eu tinha! Quando estava para completar dois anos, desde a macabra leitura de mão, resolvi passar na mesma rua onde ocorreu o episódio, para ver se encontrava a dona. Cheguei num bar próximo ao local e perguntei ao balconista se ele conhecia uma cigana que ficava lendo a mão das pessoas por ali. Sem titubear, ele me respondeu:
-A Maria Mercenária? Ela morreu atropelada, há mais ou menos um ano, ali na rua do mercado. Não era uma pessoa pra se confiar. Pra você ter uma idéia, se ela pedisse para ler a mão de uma pessoa que não quisesse ou que não tivesse dinheiro, o futuro da pessoa era a morte na certa .
O balconista não entendeu nada, quando lhe falei que a amava. Uma pena que ela tenha provado do seu próprio veneno antes que eu pudesse lhe retribuir por aquela psicanálise involuntária.