28/04/2009

ESTRADA REAL XIV

CALIX BENTO - CAFÉ DO BECO - DIAMANTINA (MG)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando planejei essa minha viagem pela Estrada Real, fiz sem grandes pretensões. Queria tão somente conhecer um pouco das cidades históricas de Minas Gerais, porque essa era uma dívida comigo mesmo, já que considero ser esse o melhor estado da federação brasileira. Gosto de seu povo, com seu sotaque, sua esperteza ingênua e sua simplicidade. No final, o que tive nesses dezoito dias de viagem foi muito mais do que esperava ter. Conforme eu caía na Real, ia percebendo que a riqueza daqueles dias estava muito além do que eu havia planejado. Acabei me vendo envolvido numa trilha de escritores e de músicos, alguns famosos, outros nem tanto. Acabei curtindo o aroma do café passado na hora, a comida típica e seu temperos, a prosa despretensiosa de novos amigos, a arte pelas ruas como ideal de vida e a espontaneidade perdida na rotina do meu trabalho.

De tudo pelo que passei, ficaram alguns flashes que, tudo indica, sempre voltarão à memória: o organização impecável da cidade de Tiradentes. A chegada de maria-fumaça a São João Del Rei. Os Profetas de Aleijadinho, em Congonhas. Os sinos badalando incessantemente por causa da morte do Padre Simões, em Ouro Preto. A casa de Alphonsus de Guimaraens, em Mariana. Dona Dadá Lacerda, a voluntária literária de Itabira, que com orgulho mostrou para mim a riqueza cultural dos Caminhos Drummondianos. O Beco do Mota, em Diamantina, lugar que fez parte do meu imaginário juvenil. Cordisburgo e a “miguilim” Maryana Xavier” recitando a poesia “Saudade”, de João Guimarães Rosa. Três pontas e a Praça Travessia, em frente à casa de Milton Nascimento. São Lourenço e o resgate da minha infância por suas ruas de paralelepípedos. E, finalmente, Maringá, Visconde de Mauá e o melhor da natureza à minha disposição.

Ao terminar de escrever estas memórias, tudo ainda me era muito recente, com gosto de presente e não de passado. Com certeza, para cada ano que passar, maiores serão a saudade e a sensação de que poderia ter feito mais do que fiz, aproveitado mais do que aproveitei. O ser humano é assim mesmo: inconscientemente, põe sempre o passado ou o futuro em primeiro plano, em detrimento do presente. Superestima muito mais o que deveria ter feito e não o que fez. Apesar disso, acredito que estes registros de viagem, se bem utilizados, me ajudarão a minimizar essas distorções, pois compensam um pouco o esquecimento que vem com o tempo.


O QUE FICOU

Quanta história ficou para contar,
por mim e por toda essa gente boa.
Causos dos caminhos de Minas,
ritos em vielas clandestinas.

Ladeiras, becos e praças.
Mundo barroco,
santo do pau oco.

O sangue escorrendo pelo chão,
confundindo a cidade com o homem,
instigando a crença e o mito,
misturando a fumaça e o apito.

De tudo o que vivi em Minas,
ficou a poesia na minha memória,
ficou a canção da profissão inglória.

O ar, a poeira, a chuva, o vento.
O prazer de ter você ali comigo,
fazendo a releitura de nossas próprias vidas,
em dias de aventuras e noites bem-dormidas.

Felipe Cerquize