28/06/2010

SÁBADO EM DESEMBALO

A maioria das pessoas queixa-se do domingo por ser um dia cheio de tédio. Nesse dia, nada se faz quando se quer, ao contrário dos dias laborais, quando tudo se faz mesmo que não se queira. Quando falo em domingo, lembro logo da minha infância, período da vida em que, invariavelmente, nesse dia da semana, eu e meus três irmãos almoçávamos um delicioso frango com macarronada preparado pela minha mãe. Eu saía com meu pai, bem cedinho, para comprar alguns gêneros alimentícios, a fim de reabastecer a despensa, e ele aproveitava a viagem para comprar o sagrado frango, que era pesado vivo e levado para casa amarrado pelas pernas. O bicho ia cacarejando por todo o trajeto de volta para casa e, quando chegávamos, seu Elias pegava uma faca bem amolada e começava a depenar o pescoço do galináceo para depois cortá-lo abruptamente, sem dar tempo para que a ave se defendesse. Acostumei-me a ver aquilo sem ter dó. A ave ficava pulando sem cabeça pelo quintal, até que boa parte do sangue se esvaísse. Então, minha mãe a pegava e punha numa panela com água fervente, para depois começar a depená-la, sapecá-la e, em seguida, pôr no forno. Ao meio-dia, a mesa era posta e os seis sentávamos para almoçar, enquanto víamos um programa de auditório na televisão e trocávamos algumas palavras despretensiosas, do tipo que serve para agregar a família. Essa é a imagem mais forte que tenho da vida familiar na minha infância.
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Por centenas de semanas, esse ritual repetiu-se aos domingos, mas o tempo é inexorável e, por mais arraigada que seja uma rotina, um dia, ela deixa de existir. Minhas duas irmãs casaram-se, minha mãe faleceu e eu cresci. Cresci e no meu primeiro emprego, onde fiquei por quatro anos, trabalhava de segunda a sábado e só me sobrava o velho e bom domingo, que era quando, estragado pelo maltrato da labuta, acordava tarde e ficava sem ânimo para fazer nada. Era um marasmo providencial, que via com muito bons olhos. Às vezes, nem o domingo de folga me era permitido e, por isto, valorizava imensamente cada um dos fins-de-semana em que ficava em casa sem fazer absolutamente nada. Depois desse emprego, outros vieram e aí passei a ter duas folgas semanais, o que me permitiu ter ânimo para fazer as coisas pendentes da minha vida privada. O sábado, como primeiro dia de descanso, parecia-me estranho no início, mas, depois, consegui compreendê-lo melhor e tentei tirar algum proveito disso.
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O que fazer com as horas de um sábado? No início, quando meus filhos ainda eram pequenos, saía para um passeio no zoológico, no shopping ou num parque de diversões. Depois que cresceram, percebi que, na verdade, nunca havia planejado nada para o dia, além dos programas familiares com os quais me acostumei. Foi com o crescimento dos pimpolhos que os sábados passaram a ser expressivos para mim. Não por serem um dia cheio, mas por me sentir definitivamente no vácuo das coisas que não fiz. O sábado passou a ser o dia do afloramento das minhas frustrações e dos meus orgulhos. É nesse dia, também, que olho as coisas do cotidiano social com mais calma e valorizo pequenas atitudes de rotina, por menores que sejam. O grito do vendedor de laranjas, uma desculpa por um esbarrão, o garoto que distribui panfletos, a lerda senhora com as pernas arcadas, a criança chorando na fila do supermercado. Tudo merece atenção redobrada da minha parte, talvez porque, nos outros dias, não tenha tempo para dar a atenção devida às pequenas coisas do cotidiano, talvez pelo fato de, nesse dia, ter tempo suficiente para perceber a má distribuição da minha força vital entre as coisas que quis e as que faço.
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O sábado é o que me restou para a conquista feliz de cidade, levando-se em conta que pouco a cidade tem a me oferecer no domingo e que, nos outros dias, pouco eu tenho a oferecer para ela. É o dia em que costumo ir ao cinema para notar que passei décadas sem dar a menor importância a uma sala de projeção. É o dia em que peço uma pizza pelo telefone e vejo como sou medíocre e conformado por me sentir realizado com isto. É o dia em que dou uma geral no carro e percebo que essa é uma valorização desregrada de um patrimônio que deveria tão somente me servir, mas para o qual insisto em me submeter, mesmo com pleno reconhecimento de tal fato. É o dia em que entro na casa lotérica, com a mesma esperança de trinta anos atrás, para fazer uma aposta que me deixe com a expectativa de não depender de mais ninguém. É o dia em que vou à farmácia para comprar o meu remédio de uso contínuo, o que me deixa com a certeza de que o que me resta é bem menos do que já tive a oportunidade de fazer. É o dia em que a euforia e a depressão batem concomitantemente na minha cabeça, como uma bola de bilboquê arremessada por um mau jogador.
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Quando olho a poesia do Vinícius de Moraes, vejo o lado otimista do poeta em relação ao sábado e enxergo-me às avessas. Enquanto ele vê a esperança, eu vejo a saturação. Enquanto ele vê a inspiração, eu vejo a expiração. Provavelmente, o modo de ver dependa da vida pregressa de cada um. O Vinícius teve muito mais segundas, terças e quartas-feiras livres do que eu e, quem sabe, seus dias de tédio não estivessem nos dias de semana, quando tinha mais tempo para pensar? Pode ser também que a interpretação se modifique de acordo com a idade que tenhamos. É bem verdade que, até uns cinco anos atrás, os sábados me eram inexpressivos, mas, agora, são expressivos o suficiente para eu ter a certeza de que não me fazem bem. Quando o Vinícius escreveu os versos de “Dia de sábado”, estava com 39 anos. Eu já passei dessa idade há um bom tempo e não me lembro, em nenhum momento, de ter tido esse tipo euforia em relação ao fatídico dia.
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Teoricamente, ainda tenho algumas centenas de sábado para viver. Pode ser que minha opinião mude, mas, neste momento, o recado do meu subconsciente para o meu consciente é claro: se não houver uma guinada na minha rotina, que seja suficiente para que outros dias da semana passem a ser aproveitados de forma diferente, é grande a possibilidade de que a minha visão crítica sobre esse dia da semana piore um pouco mais. E, a cada nova manhã, as lembranças de um outro tempo me virão à cabeça, fazendo com que eu sinta a falta dos amigos, dos filhos pequenos, da poesia, da juventude, das conquistas efêmeras e de tudo mais que um dia me trouxe a alegria e a esperança.
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Felipe Cerquize
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Alemão: Samstag, Sonnabend
Árabe: السبت (al-sabat}
Azerbaijano: şənbə
Basco: larunbat
Bretão: Sadorn, disadorn
Búlgaro: събота (sbota)
Caboverdiano: sábru
Catalão: dissabte
Corso: sàbatu
Croata: Subota
Checo/Tcheco:sobota
Dinamarquês: lørdag
Esperanto: sabato
Eslovaco: sobota
Esloveno: sobota
Espanhol: Sábado
Estoniano: laupäev
Feróico: leygardagur
Finlandês: lauantai
Francês: Samedi
Frisão/Frísio": sneon
Galês: Dydd Sadwrn
Galício/Galego: Sábado
Grego: Σάββατο
Hebraico: שבת (shabath)
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Holandês: zaterdag m
Húngaro: szombat
Islandês laugardagur
Ido: saturdio
Indonésio: hari sabtu
Interlíngua: sabbato
Irlandês: An Satharn
Islandês: laugardagur
Italiano: Sabato
Inglês: Saturday, Sabbath
Latim: dies Saturni, Sabbata pl.
Letão: sestdiena
Lituano: šeštadienis
Maori: hätarei
Napolitano: sàbbato, sàpato
Occitano/Provençal: dissate
Norueguês: lørdag
Polonês/Polaco: sobota
Português: Sábado
Russo: суббота (subbota)
Sérvio: субота
Sueco: lördag
Tagalo: Sabado
Turco: Cumartesi
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08/06/2010

MONTANHAS DO SUL - CÉLIO MATTOS E FELIPE CERQUIZE

Para a poesia que fiz durante minha viagem pelo sul do Brasil, Célio Mattos compôs uma bela canção, que pode ser ouvida no link http://tinyurl.com/2fwbwau . Letra, abaixo.
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MONTANHAS DO SUL
Música: Célio Mattos
Letra:....Felipe Cerquize
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Macieiras,
dormideiras,
o voo do gavião,
a neve que não caiu,
neblinas clareiam a visão.
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Espaldeiras,
corredeiras,
o vinho nos aqueceu
por entre montanhas do Sul,
pelas mãos de quem cultivou.
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E assim fomos felizes,
driblando as verdades da vida,
enganando as despedidas,
reconhecendo a ilusão.
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E assim passamos por tudo
que estava na imaginação.
Viagens fabricam verdades
ao gosto de cada artesão.
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07/06/2010

RIO DAS OSTRAS JAZZ & BLUES FESTIVAL 2010

Nesse final de semana do feriado, aconteceu a oitava edição do Rio das Ostras Jazz & Blues Festival, com shows em quatro pontos distintos do município: Praia da Tartaruga, Praça São Pedro, Lagoa do Iriry e Costa Azul (principal). Muitos artistas de alto gabarito presentes, entre os quais Ron Carter e Stanley Jordan.

Fiz algumas filmagens, mas como no jazz é comum as apresentações passarem de dez minutos, só consegui subir com uma para o You Tube, que ficou abaixo desse tempo limite:

Joey Calderazzo Quartet
http://www.youtube.com/watch?v=0_Y0wb7-IQQ
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Abaixo, algumas fotos tiradas durante o evento.

PAINEL NA ENTRADA DA CIDADE
OUTRA CHAMADA PARA O EVENTO NA CIDADE
PORTÃO DE ACESSO NA PRAIA DE COSTA AZUL

APRESENTAÇÃO DE JOEY CALDERAZZO QUARTET EM COSTA AZUL

NA PLATEIA DO FESTIVAL EM COSTA AZUL
VICTOR BAILEY BAND NO PALCO DA AGOA DE IRIRY

03/06/2010

O SHOW DE GEORGE ISRAEL, ONTEM, NO CANECÃO

Ontem, estava no trabalho, quando recebi uma mensagem do George Israel, perguntando se eu gostaria de ir ao show dele no Canecão como convidado. Naturalmente, aceitei o convite para o lançamento do CD "13 parcerias com Cazuza", show este que também foi o de filmagem do DVD, que será lançado em breve.

O espetáculo foi ótimo e teve as participações de Sandra de Sá, Elza Soares, Pepeu Gomes, Ney Matogrosso e Leo Jaime, entre outros. Ao final do show, fui até o camarim do George, que estava lotado, mas não o suficiente que não me permitisse parabenizá-lo pelo belo trabalho. Abaixo, o link com a filmagem de algumas das canções apresentadas. Logo depois, algumas fotos.


VÍDEOS

1. http://www.youtube.com/watch?v=Tqx_ETcbEj4

2. http://www.youtube.com/watch?v=9mu-0ZGmPmY

3. http://www.youtube.com/watch?v=PwzH0txKjvs

4. http://www.youtube.com/watch?v=PwzH0txKjvs

5. http://www.youtube.com/watch?v=lG0xYBW20N4


FOTOS
George Israel e Elza Soares

George Israel

George Israel e Leo Jaime


George Israel e Sandra de Sá
Bandeira brasileira sem ordem e progresso

George Israel e Felipe Cerquize

01/06/2010

CANTIGA PARA O NASCER DA AURORA

Uma parceria, com meu amigo Gil Filho, chama-se "Cantiga para o nascer da Aurora", poesia escrita em homenagem ao nascimento de Aurora, neta de Luhli e filha de Júlia Borges. Quem quiser ouvir, o link para audição é http://tinyurl.com/3ys8cw4 . Letra, abaixo.
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Abraços!
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Cerquize
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CANTIGA PARA O NASCER DA AURORA
Música: Felipe Cerquize
Letra: Gilvandro Filho
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O que é ser filho da Lua?
O que é toda manhã nascer?
Sol que pelo mar flutua
O que é se deixar amanhecer?
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O que é vir brincar na areia?
Sempre o mar a receber
Tecer a sua própria teia
O que é mesmo isso de viver?
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Viver é deixar a Lua cheia
Feito a areia beija o mar
É trazer dentro do peito
Sempre um jeito manso de se dar
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É abraçar o sentimento
Mergulhar no sonho da vez
Eternizar cada momento
Não perder de vista Quem os fez
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O que é mesmo ser estrela?
O que é ter luz, brilhar?
É vida que nos espera
Doce missão de amar
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