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Na busca dos presentes ideais para essa estranha festa tropical, às vezes me deparava com homens vestidos com roupa de cetim e usando barba postiça, sentados num trono, balançando um sininho e tirando fotos com crianças impressionadas com os velhinhos exóticos dentro de uma indumentária pesada, em pleno verão de quarenta graus. Rituais paradoxais, num período do ano em que o ser humano tenta dar o melhor de si para o semelhante. Eu, com toda a minha experiência e consciência, apesar dos anos de estrada neste mundo de Deus, não conseguia ignorar a festa cristã e tentava dar a minha contribuição ao forçar o imaginário para ser feliz.
Depois de muito lenço no rosto para limpar o suor, estourei o meu cartão de crédito no momento em que terminava de fazer a compra de uma dezena de presentes, que foram devidamente embrulhados e acondicionados em sacolas que me permitissem levá-los ao estacionamento, onde estava o meu carro. Foi nesse caminho de volta, quando dobrei a última esquina antes do estacionamento, que vi um Papai Noel estirado no chão, sem ninguém por perto para ajudá-lo. Diante da cena, corri na direção do senhor que agonizava, segurei-o e levantei um pouco seu tronco e sua cabeça. Ele estava semiconsciente e, ao perceber o socorro, pediu-me para que colocasse a mão no seu bolso direito. Coloquei e de lá retirei quinhentos reais, uma foto e um bilhete. Quando disse o que tinha na mão, ele implorou-me para que entregasse o dinheiro para a senhora da foto no endereço que estava no bilhete, onde também havia um número de telefone. Falou isto e, logo depois, desmaiou. Diante das circunstâncias, peguei o celular, disquei o 192 para ter atendimento médico e, com a ajuda de algumas pessoas que começavam a se aproximar, carreguei o senhor para a sombra de uma marquise. Quando o socorro médico chegou, constatou que o caso realmente exigia cuidados e removeu o bom velhinho para o hospital público mais próximo do local.
Com todos aqueles fatos repentinos, eu me sentia atordoado o suficiente para não ter percebido o furto das sacolas com os presentes que comprei. Quando notei, o sangue subiu à cabeça. Havia estourado meu limite de crédito e perdido um tempo precioso naquele calor infernal para, no final, ficar sem nada por causa daquele moribundo que apareceu na minha frente. Pus a mão no bolso e senti as cédulas, o bilhete e a foto que ele me havia feito retirar de seu bolso, na hora da agonia. Não pensei duas vezes: com aquele presentão de Papai Noel, voltei para as lojas e comprei praticamente tudo outra vez. O dinheiro que sobrou foi a conta certa para pagar o estacionamento.
No dia seguinte, já era véspera de Natal. Árvore enfeitada com bolas, luzes e algodão. Presentes em volta do pinheirinho sintético e a consciência super tranqüila. Logo depois do almoço, saí para comprar algumas guloseimas para a ceia. Se existe alguém infeliz, nessa época do ano, são os comerciários, obrigados a ficar até quase meia-noite a serviço de seus patrões para poder ganhar o salário com bônus de Natal. O supermercado estava repleto de gente preocupada com seus pertences e com o que colocavam nos carrinhos. Depois de muito suar e de quase ter uma congestão, segui com a futura ceia para a fila quilométrica de um dos caixas. Angústia maior era aquela de ter de ficar mofando numa fila de supermercado para poder levar algumas frutas importadas e um peixe sem cabeça para casa. Depois de meia hora naquela situação desesperadora, o marasmo interior se perdeu no tumulto do recinto e uma onda de contra-sensos iniciou-se pela minha cabeça. Larguei o carrinho com as compras num canto qualquer, fui para a calçada do estabelecimento e peguei um táxi em direção ao centro da cidade. No prédio branco, pedi autorização para ir até a enfermaria. Ao chegar lá, encontrei Papai Noel com um semblante que já transparecia saúde. Olhou-me de maneira enigmática e eu imediatamente me apresentei como a pessoa que o havia socorrido. Ele sorriu e logo depois franziu a sobrancelha. Tirei mil reais que tinha na carteira e entreguei para ele, que ficou sem entender muito bem o porquê de tamanha quantia. Expliquei que estava no bolso dele, quando o encontrei passando mal. Ele falou que se lembrava de ter quinhentos e não mil e eu disse que ele estava enganado. O senhor não falou mais nada e eu me despedi, sem deixar de notar, antes de sair da enfermaria, que o sorriso do bom velhinho ia de orelha a orelha.
De volta ao supermercado, ainda pude encontrar o carrinho que havia deixado encostado num canto. Peguei-o e segui melancólico para a fila do caixa. Quando chegou a minha vez, bacalhau, tâmaras, nozes e castanhas passaram pelo caixa, mas não foram comigo, porque o meu dinheiro ficou todo com Papai Noel e o cartão de crédito estava bloqueado. Lembrei-me do sorriso dele, quando saía da enfermaria. Juro que me deu vontade de voltar lá para dar-lhe umas porradas, mas a verdade é que ele não tinha culpa de nada. Nem eu, acho.
Felipe Cerquize
Um comentário:
Olá, cara!
Vim aqui para agradecer pelos novos vídeos sobre o Leminski postados no YT. Sou grande admirador e novas descobertas são como um presente do acaso. Se nesse caso tem nome, vim procurar.
Abraço. Outra hora volto com mais tempo para ler seus relatos.
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