16/09/2008

CEM ANOS RUMO À SOLIDÃO


Nascido no dia 18 de setembro de 1904, Américo passou a dar atenção para bolas quando, por acaso, o novelo de lã da sua avó caiu-lhe nos pés e ele, num reflexo condicionado, deu um chute no apetrecho, acertando a boca do gato. Tinha seus 5 anos, mas, dali para frente, nunca hesitou um chute. Era só aparecer um objeto esférico na sua frente, que ele idealizava uma meta para tentar pôr em prática.

Na primeira década do século XX também começaram a se estabelecer os primeiros campeonatos de futebol no Brasil. No Rio de Janeiro, os clubes passaram a incorporar o football como parte de suas programações e o que era uma atividade esportiva de elite aos poucos foi se tornando popular.

Américo só começou a prestar atenção nesse esporte, quando o América Football Club foi campeão pela primeira vez, em 1913, ao vencer por 1 x 0 a equipe do São Cristóvão. A associação do seu nome com o do clube e a atração inexplicável pelo objeto do desejo daquele esporte fizeram com que ele se tornasse um torcedor apaixonado, daqueles que acompanham a equipe em qualquer ocasião. Mesmo ainda sendo menor de idade, burlava os olhos argutos dos pais para assistir a uma partida do América. Foi ele que, em 1914, com seus 10 anos de idade, criou o apelido de “pó de arroz”, aplicado até hoje ao Fluminense, porque Carlos Alberto Fonseca Neto, que era mulato e jogou no América, entrou no campo tendo que disfarçar a cor de sua pele ao jogar pelo tricolor.

Em 1916, o América conquistou o título estadual, de novo com uma vitória de 1 x 0 sobre o São Cristóvão. Naquele mesmo ano, diante de tanta empolgação, Américo resolveu se apresentar como candidato às equipes de base do clube e conseguiu ficar por lá. Em 1921, estreou como profissional, durante uma excursão invicta, na Bahia, contra equipes locais. Em 1922, finalmente, pôde presenciar um título do América estando dentro do campo.

Os 15 anos em que Américo jogou no América foram a fase de ouro do clube. Até 1936, o América havia acumulado seis títulos estaduais, quatro dos quais com a sua presença como centro-avante. Naquele ano, por causa de uma séria contusão no joelho e devido à própria idade, ele resolveu pendurar as chuteiras para continuar acompanhando o clube somente como torcedor. Com sua saída, por coincidência, os títulos se tornaram escassos. O máximo que o América passou a conseguir foram alguns campeonatos na categoria juvenil. Em 1951, chegou até a contratar Heleno de Freitas a peso de ouro, mas o jogador atuou em apenas uma partida.

Américo, que sofria desesperadamente com a carência de títulos do clube, tentava de tudo que estava a seu alcance para fazer com que o América recuperasse o seu prestígio, Em meados da década de 50, havia somente metade da quantidade de torcedores da época do sexto título estadual. Tudo isso era revoltante, porque a impressão era de que os cartolas não estavam fazendo nada para reverter a situação. No entanto, graças a uma mobilização junto à torcida e aos cartolas do clube, feita por Américo, finalmente, em 1960, a equipe despertou de um pesadelo de 25 anos e foi campeão estadual pela sétima vez, tornando-se o primeiro campeão do Estado da Guanabara, ao vencer o Fluminense por 2 x 1. Muitas comemorações pelo título e troféus, tais como o de craque do ano (João Carlos), o de técnico do ano (Jorge Vieira) e o de jogador revelação (Djalma Dias). Porém, dali para frente, a década levou poucas alegrias e muitas tristezas ao clube.

Em 1962, morreu Oswaldinho, campeão do centenário da independência, tido como o melhor jogador do América de todos os tempos, que fez muitos gols a partir de tabelinhas começadas com Américo. Em 1963, morreu Lamartine Babo, o mais ilustre dos americanos e autor do hino do clube, que alguns consideram o mais bonito de todos os hinos desportivos e outros insistem em dizer que não passa de plágio de uma música feita por William Jerome e Jimmie Monaco. No final das contas, a década de 60 serviu muito mais para evidenciar a decadência do América Football Club do que para destacá-lo entre as grandes equipes do Rio de Janeiro.

Em 1970, em censo encomendado pela diretoria do clube, foram contabilizados 10572 torcedores do América na Cidade Maravilhosa. O clube que fora o inspirador da fundação de outros, como o América Mineiro e o América do Rio Grande do Norte, minguava a sua torcida por falta de bons resultados. Nessa época, Américo já estava com 66 anos, mas ainda se comportava como uma criança, quando o assunto era o seu querido Rubro. Devido à artrose, sequer ameaçava chutes em bolas ou novelos de lã, mas sempre procurava colaborar com idéias junto à diretoria, como, por exemplo, a da contratação do Técnico Otto Glória, em 1970, e a de demissão do técnico Zezé Moreira, em 1971, que deu um soco no jogador Edu por ter chutado contra o próprio gol em resposta à sua substituição durante uma partida do campeonato carioca. Em 1974, repetindo 1928 e 1960, o América derrotou o Fluminense numa final de campeonato, sagrando-se, pela primeira vez, campeão da Taça Guanabara.

Em 1980, um novo censo sob encomenda da diretoria, apontou a existência de 4250 torcedores do Mequinha no Rio de Janeiro. Diante da evidente atrofia, em 1982, a nova diretoria do clube investiu milhares de dólares, na esperança de reverter a situação. Naquele ano, na Taça Guanabara, o América acabou em quinto lugar. Também começou mal a Taça Rio, ao perder para o Botafogo de 3 x 1, mas chegou à final e foi campeão num ano histórico para a agremiação, ao vencer o Fluminense, velho adversário derrotado de finais, por 4 x 2. Nesse ano, a mesma equipe também obteve o título de “Campeão dos Campeões”, vencendo o Guarani na final, sendo este o seu primeiro título nacional.

Campeão dos Campeões. Ironicamente, esse foi o último título de futebol conquistado pelo América Football Club. Em 1990, Américo já estava com 86 anos, mas mostrava muita força e uma indignação enorme pelo que acontecia ao seu querido clube. Com uma parte do dinheiro que reuniu na vida, mandou, ele mesmo, uma contribuição para que o IBGE, no Rio de Janeiro, incluísse a informação sobre o clube de futebol para o qual o recenseado torcia. O resultado foi de apenas 1450 torcedores para o Rubro.

A década de 90 foi completamente inexpressiva para o clube. No início do século XXI, o time voltou a aparecer na primeira divisão do campeonato carioca, mas com resultados pífios. Nos discursos dos cartolas, numa tentativa de amenizar a tragédia, a célebre frase de Carvalhal, presidente do América na década de 70, era rememorada: “O América sabe vencer sem humilhar e perder sem se humilhar”. Pura retórica.

Américo e América completam 104 anos no dia 18 de setembro de 2008. Pouquíssimos são os que têm interesse em saber sobre o resultado dos jogos desse clube carioca. Todos que ainda preservam a memória do América Football Club não querem nem a sua morte nem a do seu torcedor mais velho, que ainda faz questão de assistir a todos os jogos que acontecem em Edson Passos.
Felipe Cerquize

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